quarta-feira, 29 de novembro de 2017

JANGADAS

JANGADAS

A coisa mais bonita de se ver
São velas brancas a ir de encontro ao vento:
Mar e céu s'espelhando no momento
Que as jangadas maream ao alvorecer...

Repara o olhar de tanto se perder
Por horas em perigos sem contento
A perscrutar das nuvens o tormento
Antes de que a maré retorne a encher.

Aquele arco em parábola descrito
Parecia sim tender para o infinito
Tão elegante a curva da envergada.

A singrar o horizonte azul marinho
Sobre as ondas fazendo seu caminho
Até sumir da vista rumo ao nada.

Betim - 28 11 2017

FILHO-DA-PUTA!

FILHO-DA-PUTA!

Certas palavras cabem quase tudo
Por sob um guarda-chuva de sentidos.
Termos chulos ou não, os ofendidos
Preferem me castrar por mal-desnudo!...

Escrotices à parte, um abelhudo
(D'esses tolos de doer pelos ouvidos!)
Riu dos poetas por menos conhecidos:
-- "És um sábio ou te tens feito de mudo?"

Pensei e respondi: -- "Surdo, talvez.
É melhor não ouvir quem, de altivez,
Do que fala nem ele mesmo escuta"

Dizendo o que dizia sem saber
E sem saber ao certo o que dizer,
Saiu-se com um feroz "Filho-da-puta!"...

Betim - 29 11 2017

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

EX-ABRUPTO

EX-ABRUPTO

De repente, eu me vi envelhecido
Como os anos em segundos se passado...
Acordo e não sei quem está ao lado,
Tampouco quanto tempo adormecido.

Levanto sem saber que tenho sido
Não mais que outro tipo acomodado,
Tal era o estranhamento atravessado
Do que é imaginado ao que é vivido.

Nua sobre cama, ela ainda dorme...
Eu espero afinal que se conforme,
Enquanto saio sem qu'ela sequer veja.

Canalha de a deixar em meio ao sono,
Quanto vivi aqui eu abandono
Para voltar a ser quem quer qu'eu seja.

Belo Horizonte - 27 11 2017

domingo, 26 de novembro de 2017

PAPEL DE SEDA

PAPEL DE SEDA

Por transparência furto do retrato
Esse rosto que me olha e me sorri.
A pena toma as linhas para si;
Revela tal e qual o seu recato.

Talvez não percebesse de imediato
O enlevo que ao papel me permiti
No desenho d'alguém que nunca vi,
E mesmo inacabado eu arremato.

É suave o desenhar na folha lisa
Ao contínuo escorrega do nanquim
Que sobre o branco-nada se desliza.

Cada traço da estranha diz de mim:
Tomando-lhe d'olhar a luz precisa,
Eu fico enternecido ou coisa assim...

Belo Horizonte - 25 11 2017

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

MONOMANIA

MONOMANIA

Escrevo e apenas isso me interessa.
O resto, ou melhor, tudo além do texto
Tão-somente me serve de pretexto
Para o verso que tenho na cabeça.

Eu poeta tenho sido a toda pressa,
Embora prosador quase bissexto...
Pondo a palavra fora do contexto,
Entendo que meus males ela expressa.

Advirto aqui e ali que sou somente
Um autor que talvez nem valha a pena
Visto que minha luz pouca e pequena.

Ainda assim, é quanto tenho em mente:
Certo de tudo ser novo de novo,
Eu deixo alguns maus versos para o povo.

Betim - 24 11 2017

DE CERTA MANEIRA

DE CERTA MANEIRA

Porque é preciso, sim, pensar e ser
D'uma certa maneira, isto é, a certa.
De maneira que a gente só acerta
Quando faz o que tem-de se fazer.

De certa maneira, há-de parecer
Certo quem do que faz se faz alerta:
Sua maneira co'a d'outros concerta
No afã de, igual a todos, a si ver...

Da maneira certa há-de se ser gente
Quem anda como os outros tão-somente
E, à semelhança d'eles, para nada.

Mas a gente anda assim sem saber onde,
Visto que o que de si mesmo s'esconde
Faz da maneira certa a mais errada...

Betim - 24 11 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

PSICOGNOSES...

PSICOGNOSES...

Muitos vi quando em face d'alheio trauma
Que oscilem entre o estúpido e o pernóstico
Ao disparar algum vago diagnóstico,
Que à base de opioide o doente acalma.

Ignorando os recônditos d'uma alma
Lhe dão sempre o mesmíssimo prognóstico...
E seja o doutor crente; seja agnóstico,
Entrega o coitado à divina palma!...

Triste de quem à beira da loucura
Espera d'estes tais alguma cura,
Mesmo que se desnude totalmente.

Distraídos de jaleco e estetoscópio
Prescrevem outra vez mais do seu ópio
Sem verem quem está à sua frente.

Belo Horizonte - 21 11 2017

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

CLAQUETE

CLAQUETE

Os fotogramas correm pela fita
Vinte e quatro quadros por segundo...
Por pôr em movimento um outro mundo
Enquanto o olhar lhe finge que acredita.

Na tela, a vida é muito mais bonita
E até o quotidiano mais profundo.
Ora imperador; ora vagabundo
A personagem segue a sua escrita.

Quando a imagem e o som em sincronia,
Na montagem dos rolos da edição
O encanto do cinema acontecia:

É tudo de mentira... Outra ilusão
De quem projecta luz mais fantasia
E ao baque da claquete diz: --"Acção!".

Betim - 12 11 2017

SARAVÁ!

SARAVÁ!

À força que habita em ti,
De mãos erguidas saúdo!
Respeito, acima de tudo,
A luz que te trouxe aqui
E a fé no peito desnudo.

A paz que levo comigo
Contigo esteja também.
Chega-te, como convém:
Tu tens em mim um amigo,
Nas horas de Deus, amém!

À luz dos antepassados,
Celebremos mão a mão.
De pés descalços no chão
Acompanhando ritmados
Batuques do coração.

Onde espíritos e santos
Vêm fazer sua morada,
És bendito desde a entrada.
Reverencia os quatro cantos,
Pois esta terra é sagrada.

Que se abram teus caminhos
Nas cantigas de orixá!
Pela glória d'Oxalá,
Do Pai recebe os carinhos:
-- "Anda com fé... Saravá!"

Betim - 16 11 2017

TRAQUINAS

TRAQUINAS

Dizia o pai de seu pai:
-- "Deixa esse menino ser criança!"
Aquilo entrou na lembrança,
E volta se se distrai
Ou quando quer ter esperança.

De facto, quando menino
Fora feliz sem querer.
Livre -- por assim dizer --
Só fazia o pequenino
O que queria fazer.

Vivia de pé no chão
A correr pelo terreiro...
Aprontava o tempo inteiro
Se safando da confusão
Com um sorriso matreiro.

Adorava pregar susto
Em quem visse pela frente.
Amado de toda gente,
Insistia a todo custo
Em se alegrar simplesmente.

Tudo hoje é apenas ânsia!
O tempo passou... Talvez
Nada valha após os dez!...
Só quer em segunda infância
Criança ser ele outra vez.

Betim - 17 11 2017

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

ARTE-FINAL

ARTE-FINAL

Tenho me debruçado sobre esboços
Onde, rebuscando algo de interesse,
Faça querer saber quem não soubesse
E fale ao coração dos mais insossos.

Aqueles que, como eu, já não tão moços,
Em cujo turvo olhar mal transparece
Qualquer outra empatia senão esse
Gosto por exageros e alvoroços.

Aprendam a ver arte em quase tudo
De modo que o desenho não mais mudo
Expresse o pensamento ensimesmado.

E vejam com meus olhos a beleza
Que enxergo na sutil delicadeza
De imagens e palavras lado a lado.

Betim - 15 11 2017

domingo, 12 de novembro de 2017

EUS EM MIM

DRAMATIS PERSONÆ

Eis: Estes são aqueles que não sou!...
Quem talvez pudesse ter eu sido
Se diversa actitude houvesse tido
Ou as escolhas lograsse refazer.

São pessoas que em mim fui conhecer
Vivendo algo que não tenho vivido.
Eu por meio d'elas vivo o impermitido
Em transes d'aventura e de prazer.

Uma a uma, experimento fantasias
Ao ponto de me outrar pelas pessoas,
Cujo drama ando a ver todos os dias.

Mas, s'eu para a plateia exclamo loas
É bem para que me ouçam ousadias
E guardem de meus eus memórias boas.

Betim - 12 11 2017

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

GAMBIARRAS

GAMBIARRAS

Tudo o que se tem à mão
Ganha nova utilidade
Quando se faz solução
Que resolva, certa ou não,
Na hora da necessidade.

Para alumiar, por exemplo,
Os sós desvãos da consciência
De olhos fechados contemplo
Minh'alma como se templo
Da já perdida inocência.

Assim também a poesia
Lança luzes onde obscura
A ciência ou a filosofia...
Dando às letras fantasia
E aos males da mente cura.

Pois precária e provisória
A verdade d'umas rimas,
Não pretende maior glória
Que guardar pela memória
Alguns lampejos de estimas.

Mesmo rimas de improviso,
-- Qual oráculo os bandarras --
Já nos põem de sobreaviso
E alumiam onde é preciso
À maneira de gambiarras.

Betim - 08 11 2017

MÁQUINA DE ESCREVER

MÁQUINA DE ESCREVER 

Tinha os olhos mais doutos que letrados
Atrás d'aquelas teclas cheias de dedos...
Metralhava ao papel amores ledos
Em vermelho e maiúsculas grafados.

Saudoso de meus versos extremados,
Reconheço ora às laudas velhos medos
Nas entrelinhas onde sós segredos
Foram quedar por décadas guardados.

A folha em branco -- pura mas vazia --
Recebendo-me as letras que algum dia
Farão tremer o peito ainda infante.

Uma máquina feita de esperança
Aquela onde escrevera quando criança 
E onde alguma poesia fez-me errante.

Betim - 11 11 2017

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

QUEBRA-MAR

QUEBRA-MAR

Saúdo a noite imensa sobre o mar
N'essa estrada que avança contra as ondas.
Rogo, oh lua, tão-só que não t'escondas
E alumies meu silente caminhar.

Seja eu outro encantado sob o luar
Que vaga sentinela em longas rondas,
A ver d'astros as órbitas redondas
N'um desinteressado contemplar.

Postado no limite feito farol,
Eu em vigília aguarde vir o sol,
Envolto de marulho e maresia.

Sê, oh lua, a perfeita companheira;
Aquela que busquei a vida inteira
E permanece ao menos em poesia.

Ubatuba - 20 07 2017

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A RESPEITO

A RESPEITO

Dói sentir na pele o ódio; o preconceito...
Após outra resposta atravessada,
Que aquela gente diz por tudo e nada
A depender das fuças do sujeito.

No intuito de fazer algo a respeito
D'essa falta de respeito descarada, 
Decidi contrariar toda a cambada,
E então fazer as coisas do meu jeito.

Para eles, isso é caso de somenos...
"Os grandes buscam ter com os pequenos
Meios de se distinguir a todo custo."

E eu, menor que os menores, tenho visto
Tão-só dessemelhança, pois tudo isto
Embora verdadeiro, não é justo.

Belo Horizonte - 28 10 2017